segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Um pouco sobre a morte e o amor

A minha primeira máquina fotográfica. A segunda, eu teria dez anos depois, digital já e comprado com o meu próprio dinheiro. Mas a primeira veio bem antes, praticamente descartável, comprado com o dinheirinho suado de minha mãe, tanto a câmera quanto o filme e, posteriormente, a revelação. Dinheirão, no fundo.

Nunca, em toda a minha curta vida, havia fotografado nem tive a minha disposição 24 poses. Sim, era tudo meu e não sabia por onde começar. Aos 8 ou 9 anos, qualquer casa é gigantesca e assunto para clicar não falta.

Comecei com o meu irmão e seu amiguinho inseparável (que, na verdade, se separaram assim que nos mudamos), vizinho nosso. Lembro deles até terem um projeto de dupla caipira, com uma música plagiada (eles cantavam assim e juravam que eram os criadores da canção: "Amigos para sempre é o que nós iremo sê..."). Sim, eram mais novos do que eu. Mas, plagiadores ou não, posaram bonito para a foto, no mais fiel estilo Xitão e Chororó.

Em seguida, fiz uma foto bonita da minha mãe. Ela preparava um panelaço de macarrão pra todo mundo lá de casa. Mais tarde, cliquei a gente comendo. Delícia.

Meu pai entra em cena e registro um abraço bonito que deu na minha mãe. Vendo os dois, lembrei dos meus avós, que moravam na casa ao lado, no mesmo terreno. Fui chamá-los.

- Vó, vô. Deixa eu tirar uma foto de vocês? Deixa?

A vó responde, um tanto tímida:

- Foto, agora? Não pode ser depois?

Eu cresci com essa vó.

- Não, cadê o vô? É pra tirar com ele. Vô!

E puxei os dois para o quintal, a luz lá era melhor.

Fui enquadrá-los para o retrato ficar bem bonito, mas reparei que estavam distantes um do outro.

- Junta mais. - pedi.

Deram um passinho minúsculo.

- Não, mais! Vô, abraça a vó.

A vó deu um sorriso amarelo. O vô também, com sua dentadura de dentes brancos. Minha mãe que estava do lado me disse séria:

- Tira a foto assim mesmo.

Obedeci e tirei. Sem entender, destraí-me e fui gastar as poses que ainda restavam com outras coisas. Afinal, não havia fotografado a nossa cadela vira-latas de quase dez anos.

***

Alguns anos depois, já de barba na cara, fui xeretar as fotos antigas, guardadas em caixas de sapato, e achei essa foto que fiz dos meus avós. Minha vó já havia morrido. Observei a cara de sem-graça deles e caiu a ficha. Lembrei-me de outros detalhes dos dois: dormiam em quartos separados, nunca os vi dando beijos ou de mãos dadas...

Como sempre vi meus pais juntos e felizes, pensei que não seria diferente com os meus avós. O amor deve ter ido passear naqueles tempos.

***

Minha vó faleceu devido a um câncer. Foram meses de sofrimento para todos. Eu tinha quase 15 anos, lembro de estar com a minha vó, que cochilava no quarto dela enferma, e escutar, ao fundo, meu vô na cozinha rezando:

- Meu Deus, ajude a minha  véia. Ajude a véia.

E o amor, de repente, volta.

***

Nunca havia ido em um velório antes. Era de manhã e eu não estava em casa. Meu irmão me liga:

-  A vó faleceu.

Calmo, avisei os presentes que me ausentaria, sem explicar nem demonstrar nada.

Cheguei em casa e, de carro, fomos ao velório. Eu estava calmo e são.

Ao entrar no velório e ver a minha vó no caixão não aguentei. Olhei um pouco para ela e logo sai. Lá fora, meu padrinho aparece e me abraça. "É um ciclo... um ciclo", diz. E comecei a chorar, sem saber o certo porque. Afinal, pela manhã eu já havia entendido que ela havia falecido.

E chorei quando foram enterrar também. Parecia que levariam ela embora só naquela hora, mesmo sabendo que ela já tinha ido de manhãzinha.

Antes de fechar o caixão, meu vô copia o gesto do meu tio e dá um singelo beijo na testa de minha avó.

E o amor se fortalece.

4 comentários:

Glaucia Pestana disse...

Nossa adorei isso.
O melhor.
Essa vida perecível...

Parabéns Z!

GiGi disse...

Bonito e triste ao mesmo tempo... lindo! O amor é mesmo estranho e se manisfesta de várias formas...

Elvis de Moura disse...

Acho que o amor...Ele não acaba,entretanto, ele se esconde. O amor espera o momento certo para se intensificar, é o que acontece na maioria da vezes. Percebo que com o tempo, nos acostumamos a ver o sorriso da pessoa que gostamos, e parece até que isso se torna normal. No entanto você em certo momento da sua vida,indo para sala, ou correndo sei lá para onde, e num desarranjo,cai...a mão está ali, o abraço estará também, quanto mais se algo acontece como um machucado uma ferida, e quanto mais forte a dor, será a intensidade do sentimento, o que não dirá o sorriso, e sem perceber, se compartilha mais uma vez o amor. Ele ese esconde, mas nunca acaba. Será que estou errado?Devaneando? que seja...mas que seja com carinho essas palavras, e que provoquem alegria, medo, e bem estar a quem lê.
Zelenski...É um bonito texto esse que aí está.

Samuel disse...

O amor é tudo menos amor. Ele é uma bela mentira e uma verdade irrefutável. É inventado, mas sempre existiu. Uma bela e paradoxal invenção humana. Mais complexa que qualquer equação ou sistema operacional. Ele é um software sem lógica. É necessidade biológica e transcendência. Ele é fisíco e metafísico. Ele é essencialmente e demasiadamente afetivo. Já a morte é simples. É a necessidade suprema de homeostasia.
É isso aí cara, gosto da sua diversidade de temas e de sua inteligência e sensibilidade. Você vai de A a Z.